E aí? Você acha que as relações sociais são importantes para a pessoa idosa?
Nesse artigo nós vamos dialogar sobre isso tendo como base uma teoria. Você já ouviu falar na Teoria da Seletividade Socioemocional?
Calma que já vamos chegar lá!
Antes disso, vale lembrar que a pandemia fez a pessoa idosa se tornar protagonista por diferentes aspectos. Um deles foi referente à resistência ao isolamento social. No gráfico gerado pelo Google Trends, essa repercussão ficou ainda mais clara. Em pesquisas no buscador Google, houve um aumento de 127% na palavra-chave “idoso” entre os dias 14 a 20 de março de 2020.
Na pandemia, familiares, amigos, a sociedade de um modo geral, comentaram a resistência de algumas pessoas idosas em seguir as recomendações. Brasileiro é um povo muito criativo, isso nós já sabemos, não é mesmo? Quantos memes foram criados por essa razão?
Atire a primeira pedra quem não compartilhou um desses memes! Muitos podem entender como uma piada, algo sem maldade, apenas para se divertir. Mas isso também levantou a preocupação de profissionais que trabalham com o envelhecimento. Por quê?
Porque é mais uma maneira de reforçar o preconceito com a pessoa idosa. Além de contribuir com o ageísmo, a situação pode provocar conflitos interpessoais. “Ele é teimoso”. “Já briguei com eles”. “Não aguento mais pedir para ficarem em casa”. “Parece criança”. “Gosta de contrariar”. E por aí foi!
Acho que o primeiro passo para enfraquecer o preconceito é entendermos o significado do contato social para as pessoas idosas. Quem sabe, ao compreender o que elas pensam e sentem sobre os relacionamentos, consigamos lidar melhor com a situação vivida na pandemia e com outras que virão.
É importante deixar claro que independentemente da idade, o ser humano é um ser social. Ao longo da existência humana, nós temos feito uso das relações sociais para a nossa própria sobrevivência e para melhorar a nossa condição de vida.
Nesse artigo nós vamos focar nas relações sociais ao longo do envelhecimento com enfoque na velhice. Vamos começar com um teste:
Se você for uma pessoa jovem, pense na quantidade de contatos sociais que você tem comparado com a sua avó.
Se você for uma pessoa velha, pense na quantidade de contatos que você tem hoje e quantos você tinha em sua juventude.
Geralmente a rede de relações sociais de pessoas mais jovens é mais ampla do que a de pessoas mais velhas. Como isso pode ser explicado?
Alguns pesquisadores buscaram explicar as relações sociais por meio de teorias e modelos, tais como:
§ Teoria do Desengajamento (Cumming; Henry, 1961);
§ Teoria da Atividade (Havighurst, 1961, 1968);
§ Modelo de Comboio Social (Kahn; Antonnucci, 1980).
Mesmo assim, ainda faltavam algumas lacunas, como demonstrado no escopo da Figura 1. O meu objetivo nesse artigo será apresentar esse conteúdo acadêmico em uma linguagem mais prática para o nosso dia-a-dia. Até então, a literatura apontava que com o avançar da idade, a rede social da pessoa idosa se tornava menor, por outro lado, com maior qualidade. Isso ocorria como um processo adaptativo para gerar o seu próprio bem-estar. Contudo, como chegamos a esse desfecho? Não havia uma explicação muito clara, mas sim, um buraco no meio do caminho.
Figura 1. Motivação para o contato social na velhice. Fonte: Produzido pela autora.
A Teoria da Seletividade Socioemocional (TSSE) surge para construir uma ponte no buraco existente!
Na década de 1990, a pesquisadora Laura Carstensen e colaboradores, trouxeram um novo olhar para as relações sociais na velhice por meio da TSSE. Vamos entender o processo com a ajuda do escopo apresentado na Figura 2.
Figura 2. Motivação para o contato social na velhice considerando a Teoria da Seletividade Socioemocional. Fonte: Produzido pela autora.
My God! O que essas novas caixas querem dizer? Calma que a gente chega lá.
De acordo com a TSSE, conforme a idade aumenta, há uma tendência de redução da perspectiva de tempo futuro (PTF), ou seja, as pessoas passam a ter uma visão mais limitada do seu tempo de vida. Paralelamente, as pessoas também fazem uso de mecanismos adaptativos como forma de enfrentar os desafios. Como assim? As pessoas alocam seus recursos a fim de maximizar ganhos e minimizar perdas. Por exemplo: “eu não tenho mais condição física de correr no parque, por isso vou começar a caminhar para continuar indo ao parque e ver meus amigos”.
Então, pensando nas relações sociais, ao integrar a redução da perspectiva de tempo futuro (PTF) com os mecanismos adaptativos, as pessoas passam a selecionar os seus contatos, buscando por aqueles que otimizem a sua experiência emocional. RESUMINDO: elas tendem a focar a energia existente em conexões emocionais <3.
Isso faz com que nós tenhamos mais condições de responder a pergunta: por que as pessoas idosas podem ter uma quantidade menor de contatos em sua rede social?
A TSSE é uma das explicações. Nos tornamos mais seletivos na escolha dos nossos parceiros. E uma das razões é devido aquela colega citada acima: a Perspectiva de Tempo Futuro! Ela não acontece apenas na velhice, mas ao longo da vida. Vou te explicar brevemente pela Figura 3.
Figura 3. Representação das relações sociais das pessoas de acordo com a sua perspectiva de tempo futuro. Produzido pela autora.
A percepção de tempo restante de vida influencia a escolha das nossas metas pessoais. Imagine na Figura 3 que as bolas pretas representam as pessoas que compõem a rede social do indivíduo. Já os círculos verdes representam o retorno emocional: quanto mais próximo o círculo estiver do indivíduo, maior é a função emocional.
Uma pessoa com horizonte de tempo ampliado, tende a preferir metas relativas a troca de informações e conhecimento de mundo. Por isso, ela apresenta uma rede social maior, com contatos periféricos que não suprem necessidades emocionais, mas por outro lado, conseguem satisfazer as suas metas pessoais.
Já a outra pessoa com perspectiva de tempo futuro limitada, onde as suas principais metas são ligadas as funções emocionais, tende a refletir isso em sua rede. Ela vai buscar ou manter contatos mais próximos e significativos que gerem bem-estar.
Geralmente a pessoa com perspectiva de tempo futuro ampliada é jovem e a com perspectiva de tempo futuro reduzida é velha.
A pessoa idosa tende a fazer escolhas e buscar por relações sociais mais próximas e significativas que gerem bem-estar e satisfação com a vida. As relações sociais podem assumir um aspecto muito mais intrínseco. Sabe a relação entre Batman e Robin, Timão e Pumba, Woody e Buzz, Salsicha e Scooby-Doo? É tipo isso! Os laços sociais para os idosos têm essa representatividade.
A tecnologia, se bem utilizada, pode somar nas trocas sociais. Inclusive na minha dissertação de mestrado eu estudei sobre as relações sociais dos idosos mediadas pelo Facebook. Uma das falas mais marcantes foi quando um idoso octogenário disse que o Facebook fez ele voltar a ter família. Então a tecnologia pode ser um meio de romper distâncias geográficas.
Eu mesma, rompi as distâncias geográficas em uma atividade voluntária para pessoas idosas que moravam em Instituições de Longa Permanência para Idosos, conhecidas popularmente como residenciais. Olha o vídeo publicado no Youtube, o qual compartilho uma leitura:
Mas nós também sabemos que muitos idosos não têm Facebook ou ainda não são adeptos às novas tecnologias. Então como a gente faz para estimular trocas sociais significativas à distância? Se elas morarem com alguém que tem smartphone, essa pessoa pode emprestar o seu dispositivo. Por exemplo, a minha avó e a minha tia moram juntas. A tia Zo empresta o seu celular para eu fazer chamadas de vídeo com a dona Eulina. Olha eu e minha avó batendo uns papos:
Além do smartphone, o telefone é uma tecnologia que esse público tem mais acesso e familiaridade. Então, ligue para os mais velhos! Pense na quadra que você reside: conhece algum idoso que mora sozinho? Consegue visitá-lo? Não? Tem o número de telefone dele? Ligue! Esse pode ser um momento valioso para ambas as partes, enquanto estratégia para ativar aspectos emocionais. É uma forma de fortalecer vínculos! O que precisa ficar claro é que distanciamento físico não é sinônimo de solidão. As pessoas podem continuar interagindo a fim de alcançar o retorno emocional, mas de modos diferentes.
Familiares, amigos, vizinhos, a comunidade local, podem ser parte importante da rede social da pessoa idosa.
Para estimular as trocas sociais da pessoa idosa, coloque uma pitada de emoção, sinalizada pela TSSE.
Bora abrir o coração!
Já falamos que geralmente a pessoa idosa possui a perspectiva de tempo futuro limitada. Mas, pessoas com outras faixas etárias também podem ter a sua percepção sobre o futuro alterada.
Quando as pessoas vivenciam o mesmo cenário, o horizonte de tempo pode ser igualado. A perspectiva de tempo futuro pode se tornar ampla ou reduzida. Por exemplo, quando o ambiente está incerto, seja por uma guerra ou doença terminal, nós tendemos a reduzir a nossa visão sobre o futuro.
Temos um exemplo vivenciado por nós mesmos, a pandemia. Justamente por essa insegurança sobre o dia de amanhã, pessoas jovens também apresentaram a sua perspectiva de tempo futuro reduzida e buscaram de forma mais ativa por relações sociais que são importantes em sua vida.
Quem viu em sua timeline do Instagram publicações de videochamada com amigos ou familiares? Eu mesma fiz com os meus amigos de infância! Haha não me julguem!
Olhar a TSSE nessa perspectiva é uma oportunidade de compreender que podemos ter sentimentos e expectativas semelhantes, mesmo com seus 30 ou 80 anos de idade. Será essa uma forma de aproximar gerações?
Terminei por aqui! Ufa!
Espero que esse texto auxilie a nos entendermos enquanto GENTE e nos dê mais empatia para buscar por soluções que estimulem a socialização e participação das pessoas, considerando as suas diferenças em enxergar o mundo.