“- Oi, Tássia. Prazer te conhecer. Você trabalha com o que?”
“- Oi, eu sou Gerontóloga.”
E assim começa a história com diversos finais...
Resolvi compartilhar com vocês alguns cenários quando me apresento como gerontóloga. Muitos deles revelam que precisamos de educação para o envelhecimento. Sim, podemos ser preconceituosos “sem saber”. Como disse Luciana Sato em outro contexto, mas também aplicável à este:
"NADA É MAIS NOCIVO QUE O PRECONCEITO QUE A GENTE NÃO VÊ, QUE ESTÁ NO DIA A DIA, NAS PEQUENAS COISAS".
Então, vamos conhecer esses preconceitos etários para nos tornarmos pessoas melhores?
Antes disso...
Vale a pena esclarecer que o preconceito etário pode ser abordado como ageísmo, etarismo ou idadismo e pode acometer pessoas em qualquer idade. O termo foi cunhado por Robert Butler em 1969. Nesse artigo, vamos padronizar por preconceito etário, sendo direcionado ao idoso, ok?
Continuando...
Geralmente quando conheço alguém e digo que sou gerontóloga, essa conversa pode seguir por três caminhos que nos levam aos preconceitos etários. É praticamente um fluxograma, desenhei para que vocês possam visualizar:
O primeiro caminho, intitulei como Todo mundo conhece um idoso. Quando digo que eu sou gerontóloga, muitas pessoas têm uma história de algum idoso para contar. Isso é interessante porque reforça a velhice como um fenômeno universal: "Se ainda não sou idosa, conheço alguém que é".
Mas, algumas dessas histórias vem acompanhadas de preconceitos: “ah, ele voltou a ser criança”. Por outro lado, também escuto histórias muito bonitas, como “foi meu avô que me incentivou a estudar”. Citações como essa última podem indicar uma estratégia de combate ao preconceito etário. Qual seria essa estratégia? Conseguir conectar as gerações de maneira positiva.
E o segundo caminho?
O segundo caminho intitulei como Negação do envelhecimento. Como assim? Depois que algumas pessoas sabem que eu sou gerontóloga, já me perguntam: “o que eu faço para NÃO envelhecer, Tássia?” Olha o quanto isso é forte! Afinal, qual é o nosso entendimento sobre velhice?
A gente não precisa ir muito longe para observar essa barreira. Um indicativo é a quantidade de termos existentes para se referir a mesma fase da vida. Que tal fazermos esse exercício?
Quais são os termos para se referir à infância? Criança, menino, menina... Não são muitos, certo?!
Quais são os termos para se referir à velhice? Existe um mundo de possibilidades! Idoso, pessoa idosa, terceira idade, melhor idade, feliz idade, maior idade, velho, sênior, 60+, maduro, e por aí vai! São tantos nomes que tenho "quase" certeza que você lembrou de mais algum que não está nessa lista.
Devido a diversidade de perfis presentes na velhice, pode existir a dificuldade em escolher um termo único. Contudo, nesse artigo trago para provocação a dificuldade que nós temos em assumir a velhice, justamente pelos preconceitos existentes. Na gerontologia, costumamos discutir com a frase “o velho é o outro”.
Qual é o significado da palavra velho?
Consultando a literatura científica (PAPALÉO NETTO, 2016), nós temos:
Mas, qual é o significado da palavra velho em nossa sociedade?
Geralmente velho é rotulado como sinônimo de fragilidade, esquecimento, isolamento, descartável... e aí, buscando por outros valores, a gente vai inventando um taaaanto de termos para tentar fugir disso. Mas, e se a gente conseguisse RESSIGNIFICAR ao invés de FUGIR?
Vamos tentar?
Enquanto a gente não pegar para si a velhice, não abraça-la, vamos ficar criando vários termos, quando na verdade o desafio é bem mais profundo. Está na dificuldade de aceitarmos a velhice, com todas as suas caras, qualidades e também vulnerabilidades.
E isso nos leva ao caminho três, que nomeei de Culto a juventude.
O caminho três, representa a situação onde a pessoa com quem eu interajo já é idosa. Algumas delas me perguntam: “quantos anos você acha que eu tenho?”
Nessa conversa podem surgir frases, como: “nossa, você tem 68 anos, mas parece bem mais jovem...”.
Nesse terceiro caminho enfatizo a importância do papel do profissional:
O quanto nós também reforçamos a velhice como um problema?
Quais são os nossos preconceitos em relação a velhice?
O quanto isso impacta nas soluções que nós mesmos criamos; na gestão dos serviços e nos cuidados oferecidos para esse público?
É fundamental que os profissionais que atuam com o público idoso capacitem-se sobre Gerontologia. Existem cursos presenciais, cursos on-line, livros... Eu mesma já produzi dois livros na área do envelhecimento, são esses daqui:
"Empreendedorismo no mercado da longevidade", clique aqui para visualizá-lo.
"Tecnologias e envelhecimento ativo", clique aqui para visualizá-lo.
As histórias que compartilhei, reforçam que o preconceito etário não é de hoje. Está nas sutilezas do dia-a-dia.
Ao negarmos a velhice, ou melhor, as velhices, como o velho analfabeto, o velho que mora na periferia, a mulher velha e cuidadora, a mulher velha e negra... Enfim, quando não reconhecemos a visibilidade das velhices, nós fortalecemos o preconceito. Porque assumimos erroneamente que os idosos são todos iguais. Assim a gente perde a chance de pensar em ações diferenciadas.
- Quer um exemplo?
Um tema que tem se destacado é a solidão, que pode ser considerado um problema de saúde pública. Com base nisso, quais seriam os perfis de idosos que têm mais risco de sentir solidão? Seriam os idosos de baixa renda? Seriam os idosos homossexuais? Seriam os idosos que não são adeptos ao uso de tecnologias?
- Posso citar mais um exemplo?
Ao mesmo tempo que há velhos com doutorado ou pós-doutorado concluídos, nós temos uma nação que aproximadamente 70% dos idosos têm ensino fundamental incompleto (IBGE, 2018). Qual é a linguagem adequada para se comunicar com cada um desses perfis?
Reconhecer a visibilidade da velhice também tem relação com estimular o protagonismo dos velhos, que continuam tendo muito a contribuir. Eles são resilientes, têm mais experiência de vida e possuem talentos para compartilhar. Isso nos evidencia uma luz no fim do túnel...
Para enfraquecermos o preconceito etário, minhas recomendações são direcionadas à educação e às atividades intergeracionais. Quem sabe, com o fortalecimento dessas estratégias, mudaríamos os cenários do meu fluxograma anterior para esse que segue abaixo:
Ações educativas tem relação com a Gerontologia Educacional. A Gerontologia Educacional visa ensinar sobre o envelhecimento em suas múltiplas facetas, considerando o desenvolvimento ao longo de toda a vida, a autonomia, a participação social e o direito à informação (NERI, 2014).
Para somar com esse futuro em potencial, as ações intergeracionais podem reduzir conflitos etários. Precisamos de mais oportunidades de relacionamentos entre pessoas com diferentes idades, que estimulem uma cultura de solidariedade entre gerações. Envelhecer é viver, trata-se de um processo. Não vamos nos limitar na polarização entre jovens e velhos. Vamos buscar uma cultura de cuidados ao longo da vida. Todos somos importantes. Reforço, importantes. Então, vamos nos importar mais um com o outro.